Às vezes, quando estou trabalhando, sou interrompido inúmeras vezes por hora. A cada cinco minutos mais ou menos, o telefone toca (“O senhor não quer se tornar doador registrado no hemobanco?”), a diarista vem fazer o relatório do aspirador de pó (“Pois é seu Fábio, ele tá esquentando e não puxa nada!”) ou uma das nossas gatas vem pedir atenção (“…prrrr… miauu!”). Mas, como alguns dos exemplos acima (hemobanco e a gata), algumas interrupções são importantes. Ou pelo menos, para mim, tão importantes quanto o texto no qual estou trabalhando (ou pelo menos tentando trabalhar).

Mas, independente do caso, em última análise, são interrupções. São quebras na estrutura do raciocínio que, às vezes, não se consegue “emendar”. A linha de pensamento se rompe e com ela vão, rio abaixo, vara, molinete e o peixão que eu estava tentando pescar há horas. Você não acha que existem dias em que a gente se transforma em um ímã de interrupções, crises, pessoas que precisam conversar, ruídos, barulhos, tarefas esquecidas que parecem cair no seu colo, contas a pagar e, às vezes, mas só às vezes, contas a receber? Sinto que às vezes “as musas” acham que um requisito para ser escritor é ter capacidade de administrar imprevistos, incômodos e interrupções. Como é que se pode colocar uma frase atrás da outra, de forma que façam sentido, se o mundo ao redor do teclado insiste em dar continuamente o ar de sua graça?

Enxotando as distrações
Apesar do desabafo dos parágrafos anteriores, acredito que o primeiro passo seja aprender a lidar com as interrupções para, então, minimiza-las. Sendo realista, não se pode isolar a família ou os colegas de trabalho (apesar de que as vezes tento colocar as gatas para fora). Ser um eremita deixou de ser uma opção de vida há muitos séculos. Mas existem saídas para nós, ocidentais candidatos a escribas.

Por exemplo, o telefone. Não deixe que ele dirija sua vida: compre uma secretária eletrônica e aprenda a “engolir” o quase irresistível impulso da vida contemporânea de… (trrrimmmm) atender… (trrrimmmm) o… (trrrimmmm) telefone… (trrrimmmm)… droga, já volto…

Brincadeira… mas faça o seguinte: programe-se para retornar as ligações todas ao mesmo tempo, digamos no final da manhã e/ou no meio da tarde. Assim você administra seu tempo, em vez de permitir que os outros administrem sua vida. E organize os telefonemas que você tiver que dar – para pesquisa, por exemplo – em blocos. Se for mais produtivo pela manhã, reserve as tardes para fazer telefonemas.

Se você permitir, o ato de receber e enviar e-mails pode distrair sua atenção tanto quanto o telefone. Se tiver uma conexão permanente à Internet (através da rede interna da empresa que trabalha, via cabo ou outro tipo de modem de alta velocidade), configure seu programa de correio eletrônico para só pegar as mensagens manualmente. Do contrário o “ping” ou o “chegou mensagem prá você”… ou qualquer que seja o som que você usa… das mensagens descarregadas automaticamente, podem ser, junto com aquele ícone de cartinha no canto da sua tela, uma tentação grande demais para resistir. Se você tiver uma conexão discada, reserve tempo, antes ou depois, do período de escrever. É muito fácil passar o dia lendo e escrevendo e-mails ao invés de artigos, contos e crônicas. Dizem que escritores são a raça mais preguiçosa do mundo, pois tudo se transforma em uma distração ou uma desculpa para não escrever. Tente minimizar o problema e, com o tempo, vamos resgatar a imagem da nossa valorosa classe trabalhadora… 😎

Existem, claro, as soluções adaptadas. Conheço, por exemplo, um escritor que só toca no teclado depois da meia-noite. Se você for uma pessoa matutina, acorde uma hora antes do resto da família, ou chegue no escritório na hora em que a maioria ainda está saindo de casa. Ou, se sua família não pode deixar de ver a “novela das oito”, programe sua seção de escrita para este horário. Lembre que o dogma supremo do escritor é: escreva todo dia. Nem que você só passe os olhos pelo papel ou pela tela do computador. Não perca contato com o texto. Para retomar a linha de trabalho anterior você vai perder tempo. E este sim é um bem que está em falta no mercado.

De Desafios a Bocados
Não importa quanto você se isole das interrupções, elas vão encontrar uma forma cumprir sua função. O telefone vai tocar naquela hora em que não tem mais ninguém em casa e você tem que atender porque “e se forem as crianças com algum problema”?

O segredo para lidar com interrupções sem deixar com que rompam permanentemente o fluxo das palavras é organizar o seu trabalho em pequenos bocados. Isto é, subdivida os grandes projetos em tarefas pequenas. Pequenas o suficiente para que consiga termina-las entre as interrupções ou, pelo menos, que consiga manter em mente todos os elementos da tarefa em curso, enquanto lida com o chato ao telefone.

Por que? Pense naquele desafio literário como um equilibrista de pratos igual aos que se apresentam em circos. Se você estiver girando sobre pauzinhos uma dúzia de pratos ao mesmo tempo e de repente alguém atirar um pino de boliche na sua direção – uma interrupção – você certamente acabará com um monte de cacos. Mas se estiver girando apenas um prato de cada vez, você terá uma “mão livre” para lidar com as distrações; e depois você pode voltar diretamente para o que estava fazendo. Não é tão emocionante para o público, mas você vai quebrar bem menos pratos. 😎

Assim, o segredo é descobrir como dividir seus projetos literários em etapas. Evite tentar fazer malabarismos com uma dúzia de conceitos, problemas, pontos de vista e personagens ao mesmo tempo. Se estiver exigindo do cérebro o seu potencial máximo será muito difícil recolher os cacos dos “pratos” depois da interrupção. Quando você estiver marchando através de um texto, passo a passo, um bocado de cada vez, é muito mais fácil retomar a tarefa de onde parou. E muito menos estressante.

Se vou ficar, digamos, um ano trabalhando em um romance de 300 páginas, consegue imaginar quantas vezes vou ser interrompido? E quantas vezes vou ficar muito, muito nervoso por causa disto? O resultado é que se não administro isto o tempo todo, o lançamento do livro será uma glória póstuma. Consegue imaginar a cena? “- Estamos aqui reunidos para o lançamento do, literalmente, último livro do Fábio. Mas ele, infelizmente não está conosco, pois foi vítima de 612 telefonemas, cinco quedas de luz que estragaram seu computador, duas brigas com a síndico, cinco cios das suas gatas e um vizinho que tocava tuba”.

Para organizar o seu trabalho em etapas menores, mais resistentes às interrupções, você precisa saber para onde seu texto está indo e como quer chegar lá. Não adianta espalhar suas anotações pela sala inteira e então sentar na frente do teclado na confiança de que, de alguma forma, você vai descobrir a solução com o andar da carruagem. Nem as letrinhas vão, por milagre ou vontade própria, sair das anotações e entrar no seu computador. Já tentei colocar um caderno de anotações em cima da CPU do meu computador. Não sabia bem o que esperar mas, depois de 30 dias ele ainda não havia sido fagocitado pelo HD. Tentar fazer com que todas as conexões entre as partes do seu texto fiquem ordenadas em seu cérebro é pedir, com fervor, de joelhos e mãos postas, por um “desastre interruptivo”.

Comece dividindo seu desafio em grande bocados: tema, desenvolvimento e conclusão. Então subdivida o maior bocado, o desenvolvimento, em subitens.

Se você estiver descrevendo como um comprador deve escolher um carro, quais são as quatro coisas que ele precisa fazer? Ou são seis? Oito? Escreva-as. Imediatamente. Se você estiver escrevendo a biografia de um artista, quais são os cinco principais momentos da sua carreira, acontecimentos que se destacaram acima de todos os outros, como os palanques em uma cerca? Liste-os. Agora.

Cada um desses subitens irá naturalmente atrair um agrupamento de fatos e exemplos de apoio que formarão um todo. Voltando às cercas, os detalhes da sua história se estenderão de palanque em palanque como o arame na cerca. O importante é definir quais são os palanques e onde devem ser colocados. Desta forma, se você for interrompido, só precisa caminhar até o palanque mais próximo para retomar a sua trajetória. E só precisará se preocupar com um pedaço da “cerca” de cada vez.

Um Plano num Bloco
Dê um título simples para cada pedaço da história: “avalie o motor”, “primeiro encontro”, “acidente” ou “exposição”, por exemplo. Os títulos não precisam ser definitivos. E não fique 150 horas parado, olhando o cursor pulsar só porque “não veio” aquele título maravilhoso o suficiente, legal o suficiente ou “cabeça” o suficiente.

Você pode usar uma ferramenta tão simples quanto um bloco de anotações, deixando várias linhas em branco entre cada título, onde os subtítulos e sub-subtítulos podem ir mais tarde. Pode-se ainda colocar entradas de parágrafos, maiores e menores, para estes itens secundários e terciários deixando clara sua posição hierárquica no texto.

Quando tiver seu primeiro plano de ação, mesmo que seja só um rascunho, correlacione a série de pequenos pedaços com suas anotações. Quais anotações são imprescindíveis sob o tópico “avalie o motor”? Onde estão aquelas citações fabulosas do artista sobre o qual está escrevendo? O que foi mesmo que aconteceu no “primeiro encontro”? Quem foi o culpado pelo “acidente”? Anote o suficiente em seu bloco – talvez relacionando o número da página do seu caderno ou o nome do arquivo de computador – para lembra-lo do que deve se encaixar aonde quando você estiver realmente escrevendo.

Capricho na caligrafia não conta. Não precisa usar canetas com sete cores diferentes, régua ou colar estrelinhas nos cantos das páginas. O objetivo é fazer com que seu projeto seja “palatável”… ou melhor, “petiscável” o bastante para que você consiga engolir um bocado inteiro antes da próxima interrupção. Além disso, é mais fácil retomar a estrada se você sabe para onde, como e com quem está indo. Assim será melhor, mais rápido e mais seguro do que se você estivesse sem mapa e bússola vagando, perdido e estressado pela mata selvagem dos seus problemas, interrupções e anotações do seu texto.

Eu não sei se você é assim, mas a minha cabeça não consegue segurar 2.500 palavras, mais ou menos, de um artigo ou conto em processo de criação. Não consegue, especialmente quando minha gata resolve deitar em cima do teclado, ou quando no meio da tarde bate aquela “fominha”, ou a saudade da esposa que está no trabalho. Eu preciso escrever um mapa com as direções para onde quero conduzir o que estou escrevendo. Só assim posso retomar o trajeto depois que a gata tiver se cansado de brincar com o cursor na tela do computador. Ou do lanche. Ou depois que eu matar a saudade da minha mulher.

Dicas Rápidas
– Deixe a secretária eletrônica atender as ligações, depois você as retorna, todas de uma só vez, durante o período menos produtivo do seu dia.

– Faça o mesmo com e-mail. Configure seu programa de e-mail para descarregar as mensagens manualmente, e depois responda-as todas de uma só vez.

– Subdivida seus projetos em pedaços facilmente “administráveis”, fáceis de se concentrar. Pense a respeito das etapas maiores: tema, desenvolvimento e conclusão. Depois subdivida a etapa maior, o desenvolvimento do tema, em subitens.

– Desenvolva esquemas – ou pelo menos um plano de ação – para aquilo que está escrevendo. Rotule as partes e correlacione-as com os tópicos relevantes das suas anotações.

Escritor interrompido

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