A palavra criatividade traz, em seu corpo, o seu espírito: criar. Que é produzir algo do nada. É a habilidade de fazer com que as pessoas fiquem chocadas, impressionadas, incomodadas, mesmerizadas, abismadas, enlevadas, maravilhadas ou, simplesmente, de boca aberta. A criatividade é um processo mental ligado à geração de novas idéias e conceitos bem como à produção de relações entre idéias e conceitos já existentes.

Esta definição, baseada tanto na minha experiência quanto em pedacinhos de tantas fontes diferentes que se fosse citá-las a lista ficaria maior do que este artigo, é tremendamente (para não dizer perigosamente) resumida e serve unicamente como um guia para o que será dito em seguida. Não tenho treinamento específico em psicologia comportamental, psicologia social, nunca estudei processos cognitivos, inteligência artificial e meu flerte com filosofia durou menos do que um beijo na boca. Sou um jornalista e escritor com certa experiência. Descobri uns truques e algumas técnicas que resolvi dividir com as pessoas. É importante ficar claro que estas são técnicas que funcionam para mim. Não são as únicas que existem por aí. E para ser franco não tenho certeza de nada. Mesmo porque concordo com Erich Fromm quando ele diz que criatividade requer a coragem de se abrir mão das certezas.

E cadê esta tal da criatividade?

Ela se manifesta quando o cérebro percorre um caminho não usual. A forma mais fácil de exemplificar isso é você pensar no caminho que faz da sua casa até o mercado.

Pensou? Lembrou de todos os detalhes? Quando pega o elevador ou sai pela porta da frente ou dá partida no seu carro? Por que ruas você passa? Está bem claro o caminho na sua memória? No cenário que percorreu da sua casa até o mercado, lembrou-se do caminho como se fosse um dia de Sol ou de chuva? Lembrou daquele jardim bem cuidado, do bebedor de passarinho naquela outra varanda? Colocou no cenário a casa antiga com a pintura descascando? Estava frio? Calor? Que roupa você estava usando? Você estava caminhando ou dirigindo com alguém?

Agora, de que outra forma você poderia realizar a mesma tarefa? Por que outras ruas você poderia chegar ao mesmo destino? Você poderia ir de bicicleta? Que elementos você pode introduzir ou retirar desta atividade tão corriqueira que fariam com que ela fosse ao mesmo tempo uma ida ao mercado (ou seja, algo cotidiano) e uma atividade cujo processo fosse diferente do primeiro? Fosse “novo” em relação ao primeiro?

Ao responder a esta última pergunta é que surge a possibilidade de uma resposta criativa.

Esta tal da criatividade aflora de um ambiente desorganizado, onde ainda não existem padrões estabelecidos e regras de comportamento. É uma explosão de idéias que parte de um momento de completa liberdade.

Não estou aqui dizendo que as técnicas (e existem muitas) devam ser abandonadas. Muito pelo contrário. Todas as técnicas de planejar, escrever, editar e publicar necessariamente tem lugar cativo neste processo todo, mas devem ser aplicadas depois da deflagração criativa para que ela possa fluir sem amarras. A criatividade é a idéia original e as técnicas são os veículos para que a idéia chegue, conquiste e mantenha o leitor.

E, como você bem sabe, não é fácil criar. A maioria de nós sequer foi educada para pensar de forma original. Vivemos submersos em um universo de inimigos mortais da Dona Criatividade:

  • Achamos que existe apenas uma resposta certa para cada problema.
  • Achamos que a resposta de um problema precisa ser lógica.
  • Achamos que sempre precisamos obedecer a regras.
  • Temos medo de correr riscos.
  • Temos medo de errar.
  • Temos medo de não sermos bons o suficiente.
  • Temos medo de não sermos capazes de repetir um sucesso.

Vivemos em sociedade e, claro, temos que nos submeter a certas regras. Mas descubra quais destas regras são absolutamente intangíveis (isto é fácil), quais você pode “dobrar” um pouquinho e quais você pode e deve quebrar, estilhaçar, esmigalhar e soprar os pedacinhos ao vento. O espaço entre as regras que você dobra e aquelas que você quebra é o campo onde vai florescer sua criatividade.

E antigamente?

Na antiga Grécia juravam de pé junto que a criatividade e a inspiração provinham dos seres divinos e os romanos acreditavam em gênios, seres mágicos que viviam nas paredes e que saiam de lá para auxiliar os artistas. Independente da época ou da cultura, podemos resumir esta relação da seguinte forma: toda inspiração era coisa de espíritos protetores que vinham de lugares distantes e desconhecidos. Para apoiar ou inspirar o ser humano aquelas entidades tinham sua própria agenda. Suas verdadeiras intenções eram desconhecidas. A criatividade (inspiração) e seu resultado (música, teatro, dança, pintura, escultura, literatura, plano de batalha) eram mero subproduto da interação entre divindade e ser humano.

Elizabeth Gilbert afirma que, na verdade, estas “relações” eram usadas como um mecanismo para remover a pressão psicológica de estar certo e ficar famoso, ou de errar e fracassar. Serviam como uma forma de proteção para as pessoas criativas. Sem contar que evitavam o narcisismo, já que não se podia assumir todo o crédito e colher os louros pela obra bem sucedida ou afundar-se em depressão no caso contrário. A culpa era do gênio (espírito, entidade, deidade). Claro, era muito mais fácil viver assim.

A verdadeira crise criativa começou na Renascença quando o homem foi colocado no centro do universo e tornou-se responsável por tudo à sua volta.

E viva o pensamento racional e lógico!

Foi aqui que o ser humano tornou-se o gênio ao invés de ter um gênio. Claro que isso resultou em uma enorme e pesada responsabilidade depositada sobre os ombros daqueles que tinham que criar. Com isso, o ego foi sendo distorcido e foram geradas expectativas irreais com relação aos resultados que deveriam ser produzidos. Esta “crise pessoal” tem sido ao longo da história uma das razões pela morte de inúmeros artistas.

Não podemos voltar no tempo e apagar a história do pensamento racional para novamente acreditar em gênios e fadas, mas certamente esta “muleta”, leia-se também “crença”, descreve muito bem a sensação que se tem quando “surge” a inspiração. É uma experiência quase paranormal, extra-sensorial, uma forma diferente de compreender e interpretar o mundo a nossa volta.

Impulsionando a criatividade

O importante é entender que todas estas dúvidas que poderiam impedir o afloramento da criatividade também podem ser um combustível que impulsione a inspiração. Quando reagimos e nos rebelamos contra estas dúvidas é que encontramos a liberdade para deixá-la fluir.

É nesse momento que “coincidências” ocorrem. Coisas acontecem, mas tudo isto nada mais é do que o resultado de estarmos abertos, atentos, percebendo o que se encontra a nossa volta. Tudo muda quando relaxamos e permitimos que nossa percepção, através dos seus filtros, absorva tudo o que precisamos para desempenhar o ato criativo.

Podemos, espontaneamente, atingir este estado mental. No começo, como sempre, são necessárias técnicas, exercícios e métodos. Com o passar do tempo conseguimos caminhar com nossas próprias pernas. Para isto acontecer temos que realmente QUERER e não apenas desejar sermos criativos. O QUERER implica em ATIVIDADE enquanto que o desejar é meramente passivo.

Este não é um artigo sobre dicas ou técnicas para desenvolver a criatividade, mas aqui vai uma: comece reduzindo o que eu chamo de “ansiedade do primeiro parágrafo”: ele não tem que ser perfeito de primeira. Nada do que você escreve tem que ser irretocável, perfeito e divino a partir do instante em que você digita a primeira palavra ou termina o rascunho da primeira frase. A palavra “rascunho” diz tudo: processo, esboço, primeira versão. Relaxe. Escrever é uma delícia. E lembre o que Erich Fromm disse: abra mão das certezas.

Rebeldia cerebral

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